Ricardo Abramovay http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br Professor Sênior do Instituto e Energia da USP. Tue, 07 Apr 2020 07:00:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O que será a alimentação pós covid-19? Weintraub desconhece o Brasil http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/2020/04/07/o-que-sera-a-alimentacao-pos-covid-19/ http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/2020/04/07/o-que-sera-a-alimentacao-pos-covid-19/#respond Tue, 07 Apr 2020 07:00:46 +0000 http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/?p=18

O mundo precisa estar mais vigilante do que nunca para que a produção alimentar global contribua para a saúde das pessoas e não para a disseminação de doenças. Para isso, é necessário enfrentar uma mentira e uma falácia expressas pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, em conversa recente que manteve com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e que provocou nova crise diplomática com a China.

A mentira é a sugestão de que a venda e o consumo de animais vivos, muitos dos quais selvagens, expostos em condições sanitárias ameaçadoras e impondo-lhes sofrimento impiedoso, ocorre na China e não no Brasil. Reportagem recente do excelente Infoamazonia mostra que a destruição florestal (além de colocar populações humanas em contato com patógenos contra os quais elas não possuem anticorpos),  abre caminho a feiras clandestinas como a que foi desbaratada em novembro de 2019 em Manaus e que vendia macacos, jabutis, aves, quatis, corujas e cachorros. Em setembro do mesmo ano, uma quadrilha foi pega no Parque Nacional do Jaú com carne de anta, tartarugas e seus ovos.

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Segundo estimativas da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, citada pela reportagem do Infoamazônia, nada menos que 38 milhões de animais selvagens são retirados da natureza a cada ano no Brasil. O ministro parece mais preocupado em inflamar suas redes sociais do que em respeitar a sobriedade e o equilíbrio que o exercício de seu cargo deveria supor, mas ainda assim, seria bom que ele conhecesse um pouco a realidade de que fala.

E, além da mentira, qual a falácia exposta por Weintraub? Ela está no pressuposto de que a criação de animais em cativeiro é solução para garantir uma alimentação livre de patógenos causadores de doenças em seres humanos. Há dois problemas com essa afirmação. O primeiro é que um dos prováveis efeitos da atual pandemia é que a exigência de qualidade e de rastreamento do consumo alimentar vai-se ampliar. E animais criados soltos, em condições de bem-estar, com sua dignidade respeitada, é e será cada vez mais valorizado pelo consumidor. Até alguns anos atrás, essa era uma preocupação de adeptos do veganismo e de parte do movimento ambiental. Mas nos dias de hoje, são temas estratégicos para grandes fundos de investimento como os que se reúnem na FAIRR, uma rede de investidores com uma carteira de US$ 20,3 trilhões, dos quais depende boa parte do financiamento do agronegócio global.

O segundo problema é a criação em cativeiro que se consolidou, mundo afora, sob um modelo cuja escala tornou-se ameaçadora não apenas para a dignidade animal, mas para o meio ambiente e a saúde pública. Segundo pesquisa recente da FAIRR, 15% das emissões globais de gases de efeito estufa originam-se na produção de carne e leite, que também respondem por imenso consumo de água e por mudanças, frequentemente destrutivas, nos sistemas de uso do solo.

Além disso, como bem mostra um relatório da ONU Meio Ambiente, é crescente a preocupação dos profissionais em saúde pública com o aumento da resistência à eficiência dos antibióticos, como forma de combate a algumas das principais enfermidades humanas. Morrem anualmente 700 mil pessoas, vítimas da baixa efetividade das drogas antimicrobianas no combate a patógenos. E o que isso tem a ver com alimentação saudável e segura?

Tudo: os animais consomem nada menos que 70% dos antibióticos que a indústria produz. Ora, 80% dos antibióticos consumidos são excretados na urina e nas fezes. Os sistemas de tratamento e purificação de água não conseguem eliminar a presença dos antibióticos. Consequentemente nós acabamos por ingeri-los. Na criação de peixes em cativeiro, a ONU Meio Ambiente estima que o vazamento chega a 75% dos antibióticos usados. A própria indústria farmacêutica revela profunda preocupação com o assunto e trabalha, em coordenação com a ONU, no enfrentamento do problema.

Isso quer dizer que os cuidados com a segurança sanitária da produção de carnes em escala industrial estão trazendo ao mundo o aumento da resistência antimicrobiana, definida no documento da ONU Meio Ambiente como a que ocorre quando “um microorganismo passa a resistir aos efeitos de um agente antimicrobiano e multiplica-se em sua presença”. Que parte fundamental do consumo global de proteínas animais esteja associada a riscos tão impactantes mostra a urgência de que o modelo agroindustrial contemporâneo seja profundamente transformado.

O padrão de consumo de carnes do século 20 é uma das mais emblemáticas expressões de como o avanço da ciência e da tecnologia (por meio dos indispensáveis antibióticos) pode se converter em ameaça. Enfrentar essa ameaça vai exigir mais rastreamento, mais qualidade, mas também formas de criação que respeitem a dignidade dos animais, que não destruam os recursos ecossistêmicos de que dependemos e que não ameacem nossa saúde, sob o pretexto de nos fornecer proteínas a baixo custo.

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Covid-19: riscos globais exigem gestão racional e cooperativa http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/2020/03/25/covid-19-nao-ha-como-responder-nacionalmente-a-ameacas-globais/ http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/2020/03/25/covid-19-nao-ha-como-responder-nacionalmente-a-ameacas-globais/#respond Wed, 25 Mar 2020 07:00:58 +0000 http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/?p=9

Por maiores que sejam os sofrimentos provocados pelo novo coronavírus, tudo indica que ele não representa risco existencial para a espécie humana. Mas a pandemia imprimiu impressionante atualidade aos trabalhos acadêmicos, vindos de alguns dos mais prestigiosos centros de pesquisa do mundo e cujas perguntas centrais são: por quanto tempo a humanidade vai sobreviver? Quais os riscos existenciais que temos pela frente e que podem interromper uma história de 200 mil anos, que, para nós, parece um tempo gigantesco, mas que corresponde à infância de nossa espécie?

Uma pandemia global, a maior dos últimos cem anos, inspira o temor individual e a solidariedade coletiva com os que nos são próximos. Mas é fundamental que ela estimule também a reflexão sobre o futuro da própria espécie humana, a solidariedade entre as gerações. A única maneira de pagarmos a dívida com o que nos foi legado pelos que nos precederam é cuidando para que as gerações futuras possam florescer e desfrutar de uma vida que vale a pena ser vivida.

Este é o fundamento ético das pesquisas levadas adiante pelo Center for the Study of Existential Risk da Universidade de Cambridge e pelo Future of Humanity Institute, da Universidade de Oxford. É o tema do fascinante livro que acaba de ser lançado por Toby Ord, pesquisador de Oxford: “O precipício: Risco Existencial e o Futuro da Humanidade”.

O que está em jogo nas pesquisas sobre risco existencial não é qualquer tipo de exercício macabro sobre o fim da espécie humana. A pesquisa sobre riscos existenciais valoriza, antes de tudo, nossa capacidade de fazer com que a criatividade e a inteligência humanas permitam realizações futuras com as quais não podemos sequer sonhar e que, evidentemente, só existirão se houver humanidade para levá-las adiante.

E é justamente em torno de nossa inteligência e de nossa criatividade que se situa o paradoxo básico que define os riscos existenciais, ou seja, aqueles que ameaçam o conjunto da espécie humana. Apesar da ameaça representada pelas catástrofes naturais (que o digam os dinossauros…) os principais riscos presentes resultam do próprio avanço da ciência e da tecnologia contemporâneas. Embora haja perigo em vulcões e terremotos, o que mais nos ameaça é o que criamos e que resulta de nosso engenho e de nosso talento.

Esta constatação não conduz absolutamente a rejeitar as conquistas que permitiram o aumento da longevidade, a melhoria da saúde pública, o aumento global do nível da educação, a redução da pobreza e o conforto material de que desfruta (apesar das impressionantes desigualdades) parte muito importante e crescente da espécie humana.

Mas o ponto de partida das pesquisas sobre riscos existenciais é o abismo entre o poder que acumulamos de transformar o mundo em nossa volta e a precariedade da sabedoria, da prudência e dos instrumentos políticos para lidar com este poder. O espetacular aumento de nossa mobilidade e a densidade das aglomerações em que vivemos ampliam, como ficou claro com a Covid-19 estes riscos. E apesar de vivermos mais e melhor do que nunca, nossos riscos existenciais estão aumentando.

São quatro os mais importantes riscos existenciais estudados pelos especialistas: guerra nuclear, crise climática, avanço da inteligência artificial e ameaças biológicas. E é claro que, nos dias atuais, o que desperta maior preocupação são os “Riscos Biológicos Catastróficos Globais“. O livro de Toby Ord mostra um panorama que não poderia ser mais contraditório com relação a esses riscos. Por um lado, compreendemos as doenças que nos atingem, o que não ocorria duzentos anos atrás. Temos antibióticos, vacinas, somos capazes de organizar quarentenas, e os sistemas de saúde, apesar de todas as suas deficiências, nunca foram tão amplos e eficazes.

É claro que isso não nos livra de riscos biológicos como o que estamos vivendo agora. Mas o que mais preocupa os estudiosos do tema é a possibilidade cada vez maior de que pandemias resultem da própria pesquisa, seja por acidentes e vazamentos, seja de forma intencional: 45 litros de um reservatório onde uma grande farmacêutica armazenava o vírus da pólio caíram acidentalmente num rio belga, em 2014. Em 2005, na Faculdade de Medicina e Odontologia de New Jersey, foram perdidos e nunca achados três ratos infectados pela peste bubônica.

Ao mesmo tempo, a democratização da biotecnologia e o barateamento das técnicas que permitem a manipulação do DNA são avanços científicos notáveis, mas abrem perigos inéditos, entre os quais destacam-se os de uma guerra biológica e a possibilidade de contaminação massiva e intencional por patógenos criados em laboratório.

O problema, diz Toby Ord, não está no excesso de tecnologia, e sim na carência de sabedoria. Na prática a base dessa sabedoria repousa sobre um elemento decisivo colocado por Yuval Noah Harari num artigo recente do Financial Times: é fundamental fortalecer o multilateralismo democrático, a cooperação internacional para que seja formulado um plano global voltado a lidar com os quatro riscos existenciais que ameaçam a espécie humana. A retórica nacionalista que marca os governos de extrema-direita do mundo atual abre caminho para que em cada uma das ameaças existenciais atuais as soluções sejam ineficientes e destrutivas.

Não há como responder nacionalmente a ameaças que, como o novo coronavírus, são globais. Mas o multilateralismo democrático supõe dirigentes políticos e uma elite econômica que respeitem a atividade científica, cultivem o diálogo sério e sejam capazes de despertar esperança na possibilidade de que o bom senso, o equilíbrio e a solidariedade orientem o poder cada vez maior da inteligência humana.

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Blog do Ricardo Abramovay estreia no UOL http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/2020/03/13/blog-do-ricardo-abramovay-estreia-no-uol/ http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/2020/03/13/blog-do-ricardo-abramovay-estreia-no-uol/#respond Fri, 13 Mar 2020 13:25:33 +0000 http://ricardoabramovay.blogosfera.uol.com.br/?p=5 Professor Sênior do Instituto e Energia da USP. Autor de “Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza” (Ed. Elefante/Outras Palavras).

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